Morador que virou fotógrafo retrata a retomada das favelas pela polícia
RIO - O conflito visto de dentro, pelos olhos do morador. Os três dias de batalha entre polícia e traficantes na retomada do Complexo do Alemão pelo Estado não foram registradas apenas por jornalistas do mundo todo, escalados para a cobertura do confronto. Em meio a jornalistas com equipamentos de ponta de linha e protegidos por colete a prova de balas, um outro fotógrafo, de chinelo de dedo, bermuda, camisa de malha e câmera semi-profissional, também registrou a ação da policia nas vielas do complexo. Ex-bilheteiro de cinema e ex-funcionário de Lava-Jato, Bruno Filipe Soares Lira, de 22 anos, não assistiu parado o confronto que se desenhou às portas de sua casa na Grota. De câmera em punho, imortalizou a retomada em imagens.
O trabalho de três dias, em que foram feitas cerca de 450 fotos, contudo, esbarrou na própria ação policial. No desfecho da invasão, Bruno foi abordado por um policial e e obrigado a apagar o material. Com um programa de computador, conseguiu recuperar 30 delas.
- Ainda estou tremendo. Quer dizer que jornalista pode registrar tudo mas morador não pode?
Aluno do curso de fotografia realizado na comunidade entre 2007 e 2008, financiado pelo Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), o rapaz - que assina com o nome artístico de Bruno Itan - acompanhou os três dias de conflito com apreensão, mas decidiu não perder a oportunidade.
- Já vi tiroteios na comunidade, mas nada semelhante a isso. Não podia perder esse momento histórico.
Natural do Recife, Bruno chegou ao Rio com seis anos, junto com um casal de tios. Por aqui compartilhou das mesmas histórias de necessidade dos meninos das favelas. Antes de conhecer a fotografia, foi bilheteiro de cinema, servente de academia de ginástica e de laboratório de análises clínicas na Zona Sul. Já inscrito no curso, deu um propósito à dura rotina de lavador de carros: juntar dinheiro para uma nova câmera. Hoje, diz ele, já consegue viver da vida de fotógrafo.
- Já faço as festas de aniversário e casamento, entre outros trabalhos.
Ele revela o momento mais marcante para ele de toda a invasão:
- Sou de Recife mas fui criado aqui na comunidade. Nunca tinha passado pela situação de cruzar com um policial pela viela e poder dar um bom dia. Ver a bandeira do Brasil e do Rio no alto da favela é histórico.
De câmera em punho, Bruno também registrou as obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) na comunidade, o contraste das estações do teleférico em meio ao mar de moradias, o impacto visual das obras nas favelas e até mesmo a formação de um piscinão natural na pedreira do complexo do Alemão, com águas verde jade. As milhares de casas do complexo, sobrevoadas à exautão nas operações, ganham ares de pintura, nas fotos noturnas feitas por Bruno na Grota.
- Éramos dez alunos no curso. De início registramos o começo das obras, antes da retirada das casas que dariam lugar às estações. Fizemos também o início das construções. Depois que o curso acabou, eu resolvi continuar. Gostei da fotografia e comecei a me aperfeiçoar - conta Bruno.
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